Semana passada, caí de paraquedas na pré-estreia da série documental “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, a ser exibida em 13 episódios no canal Viva a partir de 18 de novembro. Naturalmente, eu já havia escutado falar do grupo teatral que, a partir de 1974, trouxe novo fôlego ao jeito de fazer comédia nos palcos. Mas, com meus 27 anos, confesso que não tinha tanta noção da história do grupo, dos seus integrantes e tampouco do impacto que eles causaram naquela geração. Assim, entrei na sala de cinema da melhor maneira possível para assistir aos três episódios iniciais da série: sem preconceitos, nem expectativas; apenas com uma vaga noção do que estava por vir.
Antes de iniciar a exibição, o diretor Hamilton Vaz Pereira fez um emocionante discurso e dedicou aquela noite ao Teatro Oficina, capitaneado por José Celso Martinez Corrêa. Isto porque correu nesses dias um vídeo na internet com um encontro nonsense entre Silvio Santos e Zé Celso, mediado pelo prefeito João Doria, para discutir uma decisão que revoga a proibição de construir um conjunto de torres residenciais no terreno vizinho ao teatro Oficina, no bairro do Bixiga. Nem o melhor dos roteiristas escreveria aquele diálogo tão absurdo e simbólico da disputa entre a arte e o dinheiro, com o prefeito chegando a sugerir a criação de um “mall”.
Por esse e por outros motivos, o momento para a série não poderia ser mais apropriado. No piloto, somos apresentados a um retrato da época através dos depoimentos de Caetano Veloso e Zé Celso. Então, começamos a entender o nascimento da trupe de humoristas que lançou nomes como Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães, Patricya Travassos e Regina Casé. A origem do nome tem uma história curiosa: durante esta época, os grupos teatrais tinham nomes como “Arena”, “Revolução”, “Resistência”, entre outros, todos com cunho político. A escolha do grupo foi no sentido contrário. Geraldo Casé, pai de Regina, é conhecido pela habilidade de criar frases incomuns, cujos significados variam de acordo com a ocasião, servindo tanto para se livrar de um chato como para elogiar uma festa. Entre estas, “Fenefum de Magendala”, “O mousse da mãe da Alice” e, claro, “Asdrúbal trouxe o trombone”. Diante do prazo de um edital, os membros da trupe elegeram o nome Asdrúbal Trouxe o Trombone, que tem sua força justamente na gratuidade intencional e na sonoridade exagerada.
Num ritmo ágil e divertido, com grafismos interessantes, gravações incríveis com as músicas do grupo (um por episódio) e depoimentos de nomes como Nelson Motta, Luiz Eduardo Soares, Fausto Fawcett e Fernanda Montenegro, a série mostra o início da trupe naquele cenário, em um curso ministrado por Sérgio Britto, em 1971, no Teatro Senac, a entrada dos novos integrantes (como a identificação imediata entre Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães durante o teste) e a criação de sua forma de fazer teatro, com a desconstrução da dramaturgia clássica, interpretação despojada e criação coletiva.
Na estreia, em 1974, o Asdrúbal chamou a atenção no espetáculo “O inspetor geral”, de Nikolai Gogol. Depois, vieram “Trate-me leão”, que este ano completa quatro décadas, “Aquela coisa toda”, de 1980, e “A farra da Terra”, de 1983. A série se detém em “Trate-me leão”, criação coletiva que consagrou a singularidade do grupo, um verdadeiro fenômeno, lotando os teatros de jovens espectadores e criando um modelo estético que influenciou toda uma geração de atores.
Dois momentos em especial me marcaram nesses episódios. O primeiro veio de um depoimento de Luiz Fernando Guimarães mencionando como desconhecia a técnica de atuação ao fazer o teste para entrar na trupe. Intuitivo, ele subiu no palco e brilhou. Sempre acreditei que certa inocência e irresponsabilidade são necessárias para se fazer boa arte. Conhecer tudo em seus pormenores é para teóricos e acadêmicos; o artista precisa ter lá seus vazios a preencher.
Outro momento vem da própria postura do grupo: diante da ditadura militar, eles remaram contra a corrente da politização direta tão comum entre os artistas e se preocuparam em fazer um retrato daquela geração através do humor, num discurso sedutor; politizado sem ser panfletário. Por isso, a comunicação com os jovens era tão eficiente: seduziam em vez de assustar.
Imagino que a maioria das pessoas da minha geração apenas tenha escutado falar ou talvez nem tenha qualquer conhecimento sobre o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Por isso, a série se faz tão urgente: nos tempos obscuros em que vivemos, com a arte ameaçada e discursos de ódio ganhando força, é essencial lembrar que a melhor forma de estabelecer diálogo não é pela disputa ideológica (apontando dedos e demonizando o outro), mas pelo humor, pela sedução e pela união. Saí da sala de cinema doido para criar um grupo de teatro. E isso é o melhor que pode acontecer a um artista: ter a chama criativa fortalecida por aqueles que o antecederam. Uma série obrigatória para todos que amam teatro. Mal posso esperar para ver os próximos episódios. Viva “Asdrúbal Trouxe o Trombone”. Viva a potência da arte!